quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Sobre Colorismo e a mulher "parda" ou "não tão negra"


Hoje uma querida amiga-quase-irmã de infância - e companheira de feminismo - me enviou um texto incrível da página "Feminiciantes" (https://www.facebook.com/Feminiciantes/photos/a.230451850495877.1073741828.230165277191201/317761845098210/?type=1). 
Senti que o texto foi escrito para mim e para o momento que estou vivendo. Acabei por escrever um pequeno texto em resposta ao seu email e resolvi publica-lo aqui. Talvez eu volte a publicar aqui. Talvez esqueça o blog por mais outros 5 anos. De qualquer forma, achei válido registrar como me senti hoje. Parece importante. Parece uma parte muito relevante na construção dos meus primeiros anos na idade adulta e quero poder lembra-los de algum jeito.
Aí vai:

"Andei brisando faz muito tempo nessa parada de se eu tenho silenciado a minha própria negritude ou não. 
Nos EUA lembro que me encaixava no grupo que eles chamavam de "women of color". À princípio, pode soar racista mas era um grupo autodenominado e bem plural devido às questões relacionadas principalmente às imigrantes indianas, sul-africanas, mexicanas e latino-americanas, etc...
Já no Brasil eu não sei como me enxergar, por exemplo, dentro de espaços exclusivos à mulheres negras - sempre me pareceu que "não sou tão negra assim" e que talvez eu tivesse me apropriando de algo que não necessariamente me afetava tanto, pessoalmente.
A primeira vez que - quase que secretamente - me assumi como "parda" foi quando usei as cotas para entrar no vestibular (e só hoje vejo o quanto isso foi importante na construção social da minha identidade). Mas de um modo geral, eu - de pele relativamente clara, nariz fino meio europeu e cabelo alisado - nunca consegui me reconhecer enquanto mulher negra e nunca senti minha negritude tão próxima quanto essa mesma semana. 
Li num texto sobre as cotas o porquê de um menininho que queria ser médico dizer que seria caminhonheiro - "Porque sou negro": http://www.brasilpost.com.br/joao-paulo-porto/porque-eu-sou-negro_b_6139816.html. 
Estou precisamente há 3 gerações de um tataravô negro nascido historicamente no último dia oficial da escravidão no Brasil. Quando penso no que isso significa pra minha família, só fico com mais orgulho da luta de cada um deles, mas principalmente da minha mãe - mãe solteira, pobre, irmã de uma família de 7 filhos, incrivelmente inteligente e que ralou muito pra poder seguir sua grande paixão de estudar. 
Se eu não senti tanto preconceito enquanto crescia, talvez não seja só pq sou mais miscigenada - meu tataravô casou com uma imigrante italiana e daí pra frente minha arvore genealógica foi empalidecendo, mas porque ELA, minha mãe, conseguiu (com muita luta) me poupar de algumas coisas, rompendo um ciclo de dependência financeira e tolhimento social que o povo negro - o meu povo! - ainda enfrenta nos dias de hoje, e que eu com certeza ainda vou enfrentar muito daqui pra frente.
Ainda não tenho certeza sobre quanta voz eu tenho dentro do movimento negro, mas com certeza reconhece-lo como parte da minha identidade é um ato político muito forte e extremamente empoderador. Cada dia tenho mais certeza disso."